Gustavo Roberto Januario
Procurador Federal
A desaprendizagem representa um processo ativo, deliberado e consciente de reavaliação crítica do nosso repertório mental e comportamental. Trata-se de identificar, questionar, abandonar ou reconstruir conhecimentos, crenças, hábitos e valores tidos como certos, que foram aprendidos ao longo da vida, mas que, sob novo escrutínio, mostram-se inadequados, incorretos ou limitantes.
A desaprendizagem pode ser encarada como um mecanismo de desfazimento de construções anteriores e de edificação de novas; livra-se do que se ocupa negativamente abrindo-se espaço para o novo.
Podemos, assim, considerar a desaprendizagem como forma de nos abrirmos mentalmente, ampliando “espaços” para a entrada de novas perspectivas de vida e de compreensão do mundo, que poderiam levar à superação daquilo que já sabemos ou já vivemos.
O cerne da desaprendizagem não é apagar o ado, mas sim desmontar criticamente estruturas aprendidas, criando um espaço fértil para novas aprendizagens e para uma compreensão mais acurada e alinhada com a realidade ou com nossos propósitos.
A exposição a informações ou evidências que colidem com nossas convicções, o contato genuíno com a diversidade de culturas e perspectivas que abalam nossas “verdades” universais, ou experiências de vida impactantes – sejam elas crises, mudanças radicais, novas responsabilidades ou mesmo o reconhecimento de privilégios ou opressões – podem iniciar a desaprendizagem. A reflexão crítica, terapia, leitura ou diálogos significativos, também são gatilhos poderosos. Além disso, grandes transformações sociais e culturais, impulsionadas por avanços tecnológicos ou movimentos por direitos e justiça, frequentemente nos forçam a reexaminar normas e práticas outrora aceitas.
O mecanismo da desaprendizagem, embora possa variar, geralmente envolve etapas interligadas. Começa pela tomada de consciência – o momento em que se percebe a problematicidade de uma crença ou hábito. A partir daí, segue-se o questionamento ativo e incisivo: investigar a origem (“Como aprendi isso?”), a validade (“Isso ainda se sustenta?”) e as consequências (“A quem isso beneficia ou prejudica?”). É essencial buscar ativamente perspectivas alternativas e dedicar-se à desconstrução da lógica que sustentava o antigo aprendizado.
As razões que nos levam a desaprender são múltiplas e profundas. Podem emergir da busca por maior coerência, verdade e precisão em nossa visão de mundo, ou da necessidade de adaptação a um ambiente em constante mudança. O desejo de crescimento pessoal, de superar limitações autoimpostas e de desenvolver nosso potencial, bem como a necessidade de resolver conflitos internos (como a dissonância cognitiva) ou de aprimorar relações, também atuam como fortes impulsionadores.
A finalidade última da desaprendizagem é profundamente libertadora e transformadora. Ela nos serve para romper com dogmas, estereótipos, preconceitos e condicionamentos que aprisionam o pensamento crítico e a autonomia. Ao fazer isso, aumenta nossa capacidade de adaptação e flexibilidade diante da complexidade e da incerteza.
Em última análise, a desaprendizagem conduz a um entendimento mais rico e nuançado de nós mesmos e do mundo, sendo vital para o aprimoramento contínuo do conhecimento e para o desenvolvimento ético, tanto individual quanto coletivo. É um convite permanente à humildade intelectual e à transformação consciente.